Supercalifragilisticexpialidocious!

Mary Poppins é um clássico atemporal. Um dos maiores musicais da história do cinema, melhor live-action já produzido pela Walt Disney Pictures e o longa-metragem responsável por iniciar a vasta e premiada carreira cinematográfica da espetacular Julie Andrews, uma das grandes estrelas do cinema e do teatro do século XX.

A inventiva combinação entre live-action e animação tradicional funcionou muito bem, os efeitos especiais (fenomenais à época) envelheceram com garbo e as variadas e criativas canções não saem da cabeça de quem as escuta (Chim chaminé, chim chaminé, chim chim chirim!).

Cinquenta e quatro anos depois de encantar gerações de todo o mundo, eis que Mary Poppins (clique aqui para conferir a crítica de Mary Poppins escrita pelo Thiago) finalmente recebe uma sequência – o que Walt Disney pretendia fazer desde 1965. Mexer em clássicos é uma tarefa ingrata, mas O Retorno de Mary Poppins faz isso em grande estilo.

Sob a batuta de Rob Marshall, diretor do musical Chicago (2002), reuniu-se um grande elenco e um time técnico de primeira, com destaque para o design de produção de John Myhre, talentosíssimo ao recriar com preciosismo a aura do filme original, ao mesmo tempo em que constrói uma identidade própria, as coreografias de John DeLuca, as canções compostas por Marc Shaiman e Scott Wittman, que resolveram não usar nenhuma das canções originais, e o time de animadores 2D da Walt Disney e da Pixar, que recriaram os icônicos traços dos personagens em desenho animado do original – os pinguins garçons e dançarinos estão de volta.

O resultado é um filme que exala homenagens e mais homenagens por todos os poros e presta muita reverência ao clássico de Robert Stevenson.

A história se passa 24 anos após o filme original, em uma Londres mergulhada na Grande Depressão. Os irmãos Banks agora são os adultos Jane (Emily Mortimer) e Michael (Ben Whishaw). A esposa de Michael morreu há pouco tempo e o jovem viúvo tenta se virar como pode para tocar a vida e cuidar dos seus três filhos pequenos: John (Nathanael Saleh), Anabel (Pixie Davies) e Georgie (Joel Dawson).

Um empréstimo atrasado, um contrato que não foi lido nas letras pequenas e um inescrupuloso banqueiro (Colin Firth) podem fazer com que eles percam definitivamente a casa da família. A solução cai do céu, ou melhor, desce flutuando suavemente em meio aos ventos tempestuosos que tentavam levar para bem longe a velha pipa remendada que Michael lançou ao lixo – e o pequeno Georgie iria junto!

O guarda-chuva preto com uma cabeça de papagaio falante em uma das mãos, a bolsa estampada na outra, e os dois pés abertos para os lados: a excêntrica Mary Poppins (Emily Blunt) pousa delicadamente na grama e volta para cuidar da família Banks, sem ter envelhecido um ano sequer!, dessa vez sem atender a um anúncio de jornal nunca publicado, mas simplesmente por sentir que aquela família precisava da sua ajuda.

Não era uma tarefa simples reinterpretar a tão icônica babá imortalizada por Julie Andrews, e qualquer atuação que ficasse abaixo do “excelente” levaria o filme inteiro a naufragar. Mas Emily Blunt não somente dá conta do recado, como cumpre o seu papel com maestria – sua atuação é um deleite –, sendo o grande acerto O Retorno de Mary Poppins.

A atriz captura com perfeição as características clássicas da babá, como toda aquela superioridade afetada e irônica (“Praticamente perfeita em quase tudo!”), o temperamento tão firme quanto delicado, além, é claro, dos impagáveis olhares de soslaio e fastio quando precisa fazer algo que lhe parece tão simples, mas que é tão impossível e absurdo para os outros – como sair voando em direção ao Big Ben para fazer o tempo voltar atrás.

Ao seu lado, o astro da Broadway Lin-Manuel Miranda vive Jack, o acendedor de lampiões de rua, transmitindo a mesma pureza e o otimismo contagiante com que Dick Van Dyke impregnou o limpador de chaminés Bert, além de se aventurar em coreografias repletas de manobras radicais.

Ben Whishaw, Emily Mortimer, Colin Firth e as três crianças estão ótimos em seus papeis, e o excelente elenco completa-se com a experiente Julie Walters (como a empregada atrapalhada), a lendária Angela Lansbury (como a vendedora de balões) e uma ponta de Meryl Streep como a prima de Mary Poppins, em participação equivalente a de Ed Wynn como o impagável tio Albert do filme original. Até mesmo o Almirante Boom (agora interpretado por David Warner) e seu fiel escudeiro retornam, dessa vez travando uma hilária batalha contra o Big Ben, que eles julgam estar sempre adiantado.

A participação especialíssima de Dick Van Dyke é de arrancar os mais sinceros sorrisos. Tendo interpretado o limpador de chaminés e o banqueiro idoso no longa-metragem de 1964, o ator volta para fazer Dawes Jr., filho do banqueiro de outrora – agora realmente idoso e sem necessidade de maquiagem pesada.

Do alto dos seus 91 anos de idade (à época das gravações), Van Dyke demonstra muita vitalidade ao dançar sobre uma mesa e sapatear; além disso, quase conta a famosa anedota do homem da perna de pau para as crianças e termina por salvar a família Banks do destino cruel que seu sobrinho planejava.

A pedagogia “mágica” e eficaz de Mary Poppins traz de volta o espírito infantil àquela casa, tanto para as crianças, que já viviam com responsabilidades de gente grande, auxiliando o pai nos afazeres domésticos, quanto para os adultos, que já acreditavam que tudo aquilo que haviam vivenciado com a babá quando pequenos não passava de produto da fértil imaginação infantil.

Mary Poppins transforma tarefas rotineiras como tomar banho em experiências fantásticas, vencendo rapidamente a resistência inicial das crianças (com exceção do pequeno Georgie, o primeiro a se encantar com a babá), sempre com muita música e uma lição de moral ao final.

Rob Marshall dirige em campo seguro – e acerta. O roteiro de David Magee emula estruturalmente o longa-metragem original, estabelecendo uma ambientação imediata para o público. E a essência musical está presente do início ao fim – há muita cantoria, muita mesmo!, mais do que a média de musicais.

É curioso que um dos nós narrativos da resolução seja desatado com uma lúdica “viagem no tempo”. Porque O Retorno de Mary Poppins é essencialmente isso: uma viagem no tempo. A uma época que não vivemos e a um tipo de cinema que não se produz mais nos dias de hoje, um cinema que buscava o encantamento e o maravilhamento no absurdo, na magia que não precisava de explicação, que transmitia mensagens simples e belas, enfim, que misturava tudo aquilo que hoje é considerado piegas e obsoleto.

Charmoso, antiquado, divertido, colorido, emocionante, nostálgico… adjetivos não faltam para definir O Retorno de Mary Poppins, e quando os balões multicolores do final sobem aos céus levando pessoas e sonhos, arrancam sorrisos e uma certeza inescapável: a fantasia jamais findará enquanto nos deixarmos encantar por ela.

O Retorno de Mary Poppins (Mary Poppins Returns) – EUA, 2018, cor, 130 minutos.
Direção: Rob Marshall. Roteiro: David Magee. Música: Marc Shaiman, Scott Wittman e Lin-Manuel Miranda. Cinematografia: Dion Beebe. Design de Produção: John Myhre. Edição: Wyatt Smith. Elenco: Emily Blunt, Lin-Manuel Miranda, Ben Whishaw, Emily Mortimer, Pixie Davies, Joel Dawson, Nathanael Saleh, Julie Walters, Colin Firth, Dick Van Dyke, Angela Lansbury e Meryl Streep.

Compartilhe

Sobre o Autor

Católico. Desenvolvedor de eBooks. Um apaixonado por cinema – em especial por western – e literatura. Fã do Surfista Prateado e aficionado pelas obras de Akira Kurosawa, G. K. Chesterton, John Ford, John Wayne e Joseph Ratzinger.