ATENÇÃO: Não leia sem antes ter lido os dois primeiros capítulos: Um dia comum na vida de um super-herói comum e Ontem foi terça-feira, mas hoje é terça-feira de novo.

A Torre do Relógio

Cinco minutos se passaram.

Cinco longos minutos de um silêncio perturbador.

O Professor Quantum e o Homem-Trovão estavam mudos. O primeiro estava focado, pensando em um milhão de coisas, enquanto o segundo estava desnorteado, sem ter a menor idéia do que pensar.

– Esta é a quarta vez que você está vivendo este mesmo dia, não é? – perguntou finalmente o Professor, quebrando o silêncio.

– Ahn? – perguntou inconsciente e involuntariamente o Homem-Trovão, que estava completamente distraído e levou um pequeno susto com a indagação repentina do Professor – é, é, isso aí, a quarta vez. – respondeu, voltando a si.

– E neste dia que está sendo repetido pela quarta vez, você notou algo estranho, algo que não costuma estar ali, algo fora do normal?

– Bom, eu sou um super-herói, acho que não tem nada no meu dia-a-dia que possa ser considerado normal. – respondeu Bruce, esboçando uma risadinha, em uma tentativa de quebrar aquele clima tenso.

Ao dar essa resposta, Bruce se recordou da piadinha que sua esposa fez na “noite anterior”, quando ele havia perguntado pra ela se já teve a sensação de viver o mesmo dia repetidas vezes. E ao lembrar de estar com sua esposa, ele acabou se lembrando daquele misterioso palhaço de brinquedo que apareceu do nada em seu quarto. E que o fez se lembrar do Palhaçobô… “não, isso não tem o menor sentido“, pensou Bruce. Mas aí ele se lembrou também que chegava no trabalho e era recebido pelo Gavião Noturno soltando aquela piada horrível sobre o palhaço ter ido pro hospital… “mas isso não prova nada, o Gavião sempre foi péssimo com piadas… porém, aquela era tosca demais até pro nível dele. E depois ainda teve aquele doidão com as tangerinas que dizia estar se protegendo dos… palhaços… que queriam dominar o mundo… pra destruir legal… é, certamente não acontece tanta palhaçada assim no meu cotidiano, será que… não, definitivamente não, sem chance. Ah, e o Palhaçobô vivia deixando um monte de pistas para trás e era facinho de descobrí-lo… e se… não, de jeito nenhum, isso é loucura.

– Você pensou em algo! – exclamou o Professor, apontando o dedo.

– Ahn? – (aconteceu de novo). – Não, não. Não era nada.

– Não me parecia ser nada.

– É sério, não era nada. Eu acabei divagando, só isso.

– Não, você estava divagando enquanto eu refletia a respeito dos loops, desta vez você estava pensando, e eu quero saber sobre o que era.

Bruce suspirou.

– Tá bom, eu vou falar. Mas já aviso de antemão que é só uma doideira sem sentido.

– Estou ouvindo.

Bruce contou-lhe tudo.

Terminada a explicação, o Professor questionou:

– E você sabe aonde o Palhaçobô está agora?

– Sim, ele foi morar numa casinha de madeira lá na zona rural de Miracle City depois que terminou de cumprir a pena, acho que é “Campos Ensolarados” o nome do bairro.

– Talvez você deva ir lá fazer uma visitinha.

– O quê? Ah não Professor, eu não acredito que você está considerando mesmo que o Palhaçobô seja o responsável por tudo isso.

– E você tem alguma outra hipótese em mente?

– Não, mas… isso não tem a mínima lógica, o Palhaçobô é só um palhaço com uns apetrechos tecnológicos baratos e que anda com dois robôs trapalhões…

– Bruce, pensa comigo por um instante… – interrompeu o Professor.

Bruce ignorou e continuou:

– O Palhaçobô é um vilão ridículo, ele queria transformar toda a água da cidade em gelatina, ele não faz esses… esses… feitiços do tempo, ele nem tem poder pra isso, ele…

– ESSA É A ÚNICA PISTA QUE TEMOS! – gritou o Professor, impaciente.

O Homem-Trovão finalmente calou a boca.

O Professor voltou a falar calmamente:

– Vamos lá Bruce, não custa nada.

Bruce suspirou mais uma vez.

– Tá bom, eu vou. Mas isso é uma completa perda de tempo. Depois não diga que não avisei. – finalizou o Homem-Trovão, indo embora.

Campos Ensolarados

O Homem-Trovão voava sobre a área rural de Miracle City. Fazendas, plantações e criações de gado apareciam à sua vista. E em um cantinho bem escondido, estava a casinha de madeira do Palhaçobô.

Bruce pousou em frente à ela e bateu na porta.

– E aí Palhaçobô, sou eu, o Homem-Trovão, lembra de mim? O super-herói que te prendeu. Abre a porta aí, eu só quero conversar.

Após terminar de falar, Bruce escutou barulho de coisas caindo dentro da casa, como se houvessem pessoas brigando violentamente lá dentro.

Ele então se preparou para derrubar a porta, mas pensou melhor antes de fazer isso e tentou simplesmente abrí-la. Como imaginado, estava destrancada.

Ao entrar, Bruce se surpreendeu. Tinha uma bomba na sala. E era uma bomba toda cartunesca que parecia ter saído de um episódio de Coyote & Papa-Léguas.

– Mas que merda é essa…? – perguntou o herói, que ao olhar pra frente, percebeu que o Palhaçobô estava lá nos fundos tentando fugir pela janela, e desastrado do jeito que era, estava derrubando tudo o que via pela frente no processo, daí a barulheira.

Bruce correu até ele com sua super-velocidade, o agarrou e o trouxe de volta para a sala, em menos de um segundo.

– Não tão rápido. – bradou o herói, encarando o vilão.

– V-v-v-você já descobriu tudo, n-n-não é? – gaguejou o palhaço, todo afobado.

– Descobri o quê? – perguntou o herói. – Você está aprontando de novo, não é?

– En-en-então v-você não tinha descoberto a-ainda? Ahhhhhn, eu e minha boca grande.

– O que você fez? E o que é aquela coisa? – perguntou o Homem-Trovão, apontando para a bomba e intimidando o meliante.

O Palhaçobô suspirou. Estava se borrando todo de medo e nervosismo.

– Tá bom, tá bom. Eu conto.

O vilão parou para respirar, se acalmou, e então falou:

– Aquela é uma bomba programada para destruir toda a nossa realidade em 24 horas e eu prendi todo mundo em loops temporais para que não atrapalhassem meus planos.

– Mas se a bomba detona em 24 horas, então ela só vai explodir amanhã, e o amanhã nunca vai chegar, porque você prendeu o mundo todo em um loop.

– Não, a área da minha casa está imune ao loop, o tempo continua passando normalmente aqui dentro. Ainda é terça-feira pro resto do mundo, mas já é sexta-feira pra mim aqui. Eu passei os últimos três dias construindo a bomba, só ficou pronta para a ativação hoje.

– Mas você é só um palhaço com uns apetrechos tecnológicos baratos e que tem dois robôs capangas idiotas (falando nisso, cadê eles?), como é que você tá fazendo esses negócios de loops temporais e bombas que destroem toda a realidade?

O Palhaçobô suspirou de novo. Estava prestes a contar uma longa história.

– Nada aqui é real. Nós estamos dentro de uma história. Somos apenas personagens em um mundo retardado, criados por um roteirista ainda mais retardado.

– O quê?

Bruce sabia que o Palhaçobô tinha uns parafusos a menos, mas agora ele parecia ter pirado de vez.

O vilão prosseguiu:

– O roteirista me criou para antagonizar com você em uma história, mas a descartou logo em seguida e me reaproveitou como sendo apenas um “vilãozinho pé-de-chinelo que o grandioso Homem-Trovão derrotou anos atrás”. Eu fui criado apenas para ser reduzido à uma mera recordação de mais uma vitória sua. Um dos muitos troféus em sua estante. Eu nunca daria as caras, e com isso, fui parar no limbo criativo.

Bruce estava extremamente confuso. Se aquilo fosse mesmo verdade, era muita coisa pra processar. E ainda tinha tantas perguntas que nem sabia por onde começar. Mas apenas ficou quieto e deixou o Palhaçobô continuar o que tinha a dizer:

– O limbo era um lugar frio, escuro e desolador, onde esperanças são esmagadas e sonhos são aniquilados muito antes de nascerem. Depois de anos vagando sem rumo acompanhado apenas dos meus dois fiéis robôs, eu a encontrei: a porta que levava para a casa do roteirista. Eis que eu comecei minha vingança…

O vilão fez uma breve pausa para efeito dramático, e logo em seguida deu continuidade ao seu monólogo:

– Eu invadi a casa dele e deixei meus robôs lá para ameaçá-lo, e o forcei a escrever uma nova história. Agora que não estava mais no limbo, uma nova porta surgiu, que me leva da casa do roteirista a este universo e vice-versa, que no caso, é aquela porta ali. – disse, apontando para uma porta fechada que Bruce imaginou que fosse a porta do banheiro – E nessa história, eu destruiria todo esse universo que ele se empenhou tanto para criar. É por isso que agora eu crio bombas capazes de destruir toda a realidade e prendo o mundo todo em loops do tempo: – nessa hora, o Palhaçobô fez uma pose de vilão diabólico. – Eu estou sendo favorecido pelo roteiro!

Após bradar sua frase de efeito que ele provavelmente já tinha planejado há tempos, o Homem-Trovão o interrompeu e perguntou:

– Por que você não mandou ele simplesmente colocar a bomba já pronta aqui pra ela detonar tudo de uma vez?

– E dar àquele execrável a oportunidade de ser o responsável por destruir sua criação? Ah, de jeito nenhum. Eu apenas fiz com que ele me desse os meios para a fabricação da bomba porque eu tenho que ser o responsável por destruir este universo. Eu quero que ele sinta na pele o desespero de saber que tudo o que ele construiu está prestes a ser evaporado pelo “vilãozinho ridículo” que ele inventou apenas pra ser jogado no lixo. E também, explodir tudo isso de uma vez só não teria a menor graça. O momento tinha de ser saboreado, afinal de contas, a vingança é um prato que se come frio. E falando em vingança…

O vilão fez mais uma breve pausa dramática e apontou o dedo para seu inimigo:

– Quanto a você, eu me dei ao trabalho de, pessoalmente, escrever como seria o seu dia a ser repetido várias e várias vezes.

– Ah, então aquele cara com a mega-arma que eu enfrentei lá na Avenida Morrison, foi você que colocou ele lá?

– Sim! E ele te deu uma baita surra! Duas vezes!

Bruce deu uma risadinha e falou em tom de deboche:

– Se ele era tão poderoso, por que precisava de uma arma que tinha o mesmo nível de poder que ele? Agora tá explicado. Uma incoerência dessas só podia ter saído da mente de um amador como você mesmo.

– Hahahaha, pode me zoar à vontade, não muda o fato de que eu consegui derrotar você.

– Você deixou um monte de pistas pra trás, aquele boneco horroroso no meu quarto, a piada idiota do Gavião Noturno, o louco das tangerinas… e ainda me contou tudo sem resistência nenhuma!

– Hahahahahahaha… você está achando que eu sou um vilão de história em quadrinhos? Acha que eu te contaria alguma coisa se soubesse que existe a mínima chance de você me impedir? Não… – e então o meliante levantou os braços, engrossou a voz e gritou – EU JÁ INICIEI O PROCESSO HÁ 35 MINUTOS ATRÁS!!!!!!

O Palhaçobô estava se sentindo ótimo! Após ter seu momento de grandeza, pensou em voz alta:

– Hehe, sempre quis dizer isso!

E então olhou para seu inimigo, e este o encarava com um olhar de quem estava se segurando para não cair na risada.

O vilão desfez seu sorriso e perguntou enraivecido:

– O que é que foi agora?

– Você disse que a bomba detonaria em 24 horas, certo?

– Isso.

– Então, se você ativou há 35 minutos atrás, significa que eu ainda tenho 23 horas e 25 minutos para impedí-lo.

– Isso é impossível…

– E aquela porta ali leva diretamente à casa do roteirista, não é?

– É, mas…

– Ah, Palhaçobô, não adianta. Não importa se você é apenas um palhacinho com apetrechos ridículos que anda com dois robôs tapados para depositar um caminhão de gelatina em pó no reservatório da cidade ou um “iluminado” que tomou a pílula vermelha e destrói realidades e prende os outros em loops do tempo, você sempre será um desastrado que se auto-sabota, e sabe por quê? Porque favorecido pelo roteiro ou não, você é, na sua essência, um vilãozinho ridículo, mequetrefe, e pé-de-chinelo, cujo propósito é perder. É só pra isso que você serve, você está aqui pra perder. Nasceu pra perder. Agora me dá licença que eu preciso ir derrotar você. De novo.

Com a sua super-velocidade, o Homem-Trovão correu até a casa do roteirista através da porta mágica. Chegando lá, pegou os dois robôs que estavam o ameaçando e voou com eles até o espaço, os deixando por lá mesmo. Rapidamente, voou de volta até a casa do roteirista e falou:

– Pronto, agora você já está livre.

– Obrigado, Homem-Trovão. – agradeceu o roteirista, tomando o controle da situação de volta.

Imediatamente, ele rasgou aquele roteiro que o Palhaçobô o estava obrigando a escrever.

Com isso, a bomba desapareceu.

O Palhaçobô estava de joelhos, humilhado, lamentando a derrota. Ele estava chorando. Lentamente, foi se transformando em poeira, que foi sendo levada embora pelo vento…

Na Torre do Relógio, uma nova atualização chegou ao super-computador do Professor Quantum, o avisando que os loops do tempo foram rompidos e que tudo havia voltado ao normal.

– Hehehe, eu sabia. – disse o Professor para si mesmo, com um sorriso no rosto.

De volta à casa do roteirista, o Homem-Trovão comentou:

– Que loucura hein? Já vi muitas maluquices no meu trabalho, mas essa sem dúvidas é a maior de todas. Vou levar um bom tempo pra processar tudo isso. Mas e você? Como se sente? Sua vida sendo colocada em risco por um personagem que você mesmo inventou, ameaçando destruir tudo o que você criou…

– Na verdade, nem a vida e nem a obra do Roteirista foram verdadeiramente colocadas em risco aqui.

– Como assim? Você é o roteirista.

– Não, não sou. Sou apenas um personagem em uma história, assim como você.

– Mas…

– O Palhaçobô apenas pensou ter descoberto o mundo real e se libertado das amarras de seu Criador, mas na verdade tudo isso que acabou de acontecer já havia sido planejado pelo Roteirista desde o começo.

Bruce estava completamente confuso.

– Você não entende, não é?

– Não, não entendo…

– Nós ainda estamos dentro de uma história.

FIM

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Sobre o Autor

21 anos. Apreciador de cinema, literatura, quadrinhos e heavy metal.