“Se ele sangra, podemos matá-lo”.
– Major Alan “Dutch” Schaeffer

Rocky Balboa foi a fagulha que inspirou o roteiro de O Predador. Sim, isso não é uma piada. Ele mesmo, o boxeador mais famoso do cinema, o personagem da vida de Sylvester Stallone. Após o quarto filme da franquia, a piada recorrente em Hollywood dizia que estava faltando oponente na Terra e muito em breve o garanhão italiano teria de enfrentar um adversário extraterrestre. A anedota inspirou os irmãos Jim e John Thomas, que escreveram um roteiro sobre uma criatura alienígena que vem à Terra para caçar oponentes. Tentaram vendê-lo em vão: como não tinham agentes, o roteiro sequer era lido pelos estúdios. Os dois, então, tiveram a brilhante ideia de colocá-lo por debaixo da porta de Michael Levy, executivo da Fox, que, vejam só!, leu o roteiro. Gostou e passou para o produtor Joe Silver, que trouxe Lawrence Gordon para co-produzir, contratou o novato John McTiernan para dirigir e convenceu Arnold Schwarzenegger a embarcar no projeto.

Os anos 1980 foram prodigiosos para o cinema de ação, tanto pelo domínio “puro” que o gênero alcançou no período, quanto pela fusão perfeita que encontrou com outros gêneros, como a comédia, a aventura, a ficção científica, o suspense e a fantasia. É a década de filmes como Os Caçadores da Arca Perdida (1981), Rambo: Programado para Matar (1982), O Exterminador do Futuro (1984), Braddock – O Super Comando (1984), Um Tira da Pesada (1984), Comando Para Matar (1985), Aliens, O Resgate (1986), Stallone Cobra (1986), RoboCop – O Policial do Futuro (1987), Máquina Mortífera (1987) e Duro de Matar (1988).

O Predador é uma síntese dessa época e de tudo que dominou o cinema de entretenimento do período. O caldeirão comandado por McTiernan mistura ação, guerra, ficção científica, terror e suspense em doses praticamente iguais. Adicione a essa combinação explosiva um monstro caçador extremamente inteligente com um visual absolutamente icônico, um timaço de coadjuvantes encabeçados pelo eterno Carl “Apollo Creed” Weathers e, por fim, coloque Arnold Schwarzenegger, já um astro consagrado na época, para estrelar e comandar a equipe, dê-lhe um charuto em quase todas as cenas, uma arma enorme nas mãos e muitas frases de efeito – “You’re one… ugly motherfucker!“.

Havia alguma chance disso tudo dar errado? Certamente que não.

A história é extremamente simples. Um grupo de soldados de elite é designado pelo general Phillips (RG Armstrong) para uma missão de resgate de um ministro estrangeiro e funcionários de governo que foram capturados por guerrilheiros de uma republiqueta comunista qualquer da América Central. Só que não demora muito para que todos percebam que há uma ameaça mortífera e imparável na densa floresta. Dutch (Arnold Schwarzenneger) é o líder da equipe, um major durão, mas que trata seus comandados como se fossem a sua família. Durante toda a missão entrará em conflito com seu velho amigo e hoje agente da CIA George Dillon (Carl Weathers), que resolveu acompanhá-los e negligenciou detalhes cruciais sobre a missão – como a equipe de Boinas Verdes que havia sido enviada semanas antes para o resgate e que foi brutalmente assassinada pela criatura. Uma hilária queda de braço no ar entre os dois atores, ainda nos instantes iniciais, é um prenúncio da rivalidade latente que existirá entre os personagens.

Mac (Bill Duke) usa facas e se barbeia a seco em momentos de tensão; Billy (Sonny Landham) é o indígena meio “Rambo” que vive em sintonia com a floresta e seus espíritos ancestrais; Blain (Jesse Ventura) é um brutamontes que manuseia uma gatling gun enquanto masca fumo o tempo inteiro; Poncho (Richard Chaves) é emotivo e usa um lança-granadas; e por fim, Hawkins (Shane Black), o novato da turma, com seus óculos extravagantes, um especialista em piadas sujas. Ainda há espaço para a personagem feminina, Anna (Elpidia Carrillo), uma guerrilheira local agregada ao grupo por Dutch. Todos os personagens são clichês e estereotipados, mas bem estruturados, fortes e simples. O conhecimento que cada um possui sobre o outro e as constantes brincadeiras e disputas estabelecem com precisão os laços de companheirismo que unem a equipe.

A tomada do acampamento guerrilheiro é primorosa, uma aula de composição, com uma fotografia fartamente iluminada e uma sucessão de ações e reações rodadas em um ritmo alucinante, mas que jamais se perdem, sem cortes confusos ou enquadramentos que não permitem perceber o que se passa. Essa construção da equipe como um grupo de elite, extremamente preparado, ainda que em ambiente hostil, faz com que a ameaça do Predador seja ainda mais amplificada: um único adversário consegue quebrar aqueles homens, superar armadilhas, e matar um por um, enquanto destroça o psicológico daqueles que permanecem vivos por apenas um pouco mais de tempo.

O Predador tem muitos músculos e testosterona, armas poderosas, tiroteios extraordinários, com explosões e matanças insanas, mas também suspense crescente, com uma tensão que é escalonada com absoluto talento por McTiernan e vai mexendo com os nervos dos personagens e dos espectadores – o monstro é revelado por partes, em planos-detalhes de mãos e braços ou em planos gerais nos quais se pode divisar sua silhueta camuflada no galho de uma árvore, de modo que a sua primeira aparição completa, saindo da água, causa muito impacto. A opção por intercalar muitas cenas com o ponto de vista do Predador – com sua visão infravermelha, um estouro na época – é outro grande acerto.

O cenário, aliás, é um elemento crucial em O Predador. Os personagens passam o tempo inteiro cercados por uma selva impenetrável, desconfortável, misteriosa e perigosa. Para todo lado que se olha há uma floresta extremamente convincente, com frondosas árvores e vistosas vegetações, povoada por todo o tipo de predadores naturais, que empalidecem diante do alienígena – o close na cobra em um galho por onde Dutch passa é sintomático em relação a isso: o major nem se abala, a ameaça que já havia tirado a vida de um de seus homens é muito maior. E caçando os soldados, uma criatura que usa com perfeição a densidade da vegetação e suas habilidades de camuflagem para estar sempre um passo à frente.

Já de imediato o Predador escreveu o seu nome na galeria dos grandes monstros do cinema. O grande responsável por isso é Stan Winston, mestre dos mestres dos efeitos visuais e das maquiagens. O design inicial da criatura seria outro, mas quando as filmagens começaram, todos perceberam que não iria funcionar. O estúdio chamou Winston, que desenvolveu o novo visual a partir da ideia de um guerreiro rastafári – teve até pitaco de James Cameron na história, sugerindo ao amigo que seria muito legal um monstro com mandíbulas, o que tornou-se um dos elementos mais reconhecíveis do visual do caçador, ao lado de suas tranças. O resultado final é um amálgama entre tribalismo e futurismo: ao mesmo tempo em que o Predador convence como um alienígena, mesmo sem quaisquer elementos de seu design que remetam ao lugar-comum dos trajes espaciais (até mesmo o capacete foge disso), há uma série de elementos que causam a impressão imediata de um caçador perfeito e crível.

O roteiro não se preocupa em ser didático em relação à história da criatura, mas as suas próprias ações – e também a percepção dos personagens – durante o longa-metragem vão delineando as reais intenções do ser. Uma apavorada Anna conta histórias do seu povo que evidenciam que “el diablo cazador de hombres” já visitou o nosso planeta outras vezes e possui uma predileção pelos períodos mais quentes possíveis. O passo a passo metódico e planejado demonstra que a criatura humanoide intergaláctica é um caçador em busca de diversão com a espécie mais perigosa do planeta, sempre com o auxílio de um arsenal de habilidade e truques: visão infravermelha, camuflagem translúcida, capacidade de mimetizar vozes, armas telescópicas a laser, canhões de plasma nos ombros, e até mesmo kit de primeiros socorros, além de uma “mini” explosão nuclear para o caso de ser derrotado. E por mais brutal que o Predador seja (esfolando as vítimas e arrancando seus crânios como troféus), ainda assim possui o seu próprio código de honra, não atacando alguém que esteja desarmado (o que salva a vida de Anna algumas vezes) e lutando corpo a corpo com Dutch, quando percebe que este não tem mais com o que atacá-lo e resolve oferecê-lo um “combate justo”.

Se Winston é o responsável pela criação visual, o Predador não teria funcionado tão bem se não fosse o gigante Kevin Peter Hall (2,18 de altura) a encarná-lo. Jean-Claude Van Damme, ainda trilhando o seu caminho rumo ao estrelato do cinema de ação, seria o intérprete original, muito por conta da sua agilidade, ainda durante os testes com o primeiro design da criatura. O belga acabou saindo porque reclamava do desconforto da roupa e por não ter gostado de saber que estaria “invisível” durante boa parte do filme. Além disso, a sua altura diminuta em relação aos demais atores era um problema. Peter Hall termina fazendo com que Schwarzenegger pareça pequeno. E devidamente ameaçado. Sua figura é imponente e a movimentação corporal que ele traz para o personagem também serve muito bem à sua composição. Peter Hall ainda figura brevemente, mostrando o seu rosto, como o piloto do helicóptero de resgate ao final.

O divertido e acelerado rock and roll Long Tall Sally, de Little Richard, é a música que os soldados ouvem no helicóptero, antes de saltarem no meio da floresta. Daí em diante a trilha orquestrada de Alan Silvestri, com muitas cordas, percussões e tambores sinistros, cumpre com louvor o papel de amplificar os mistérios e perigos que aquele cenário hostil representa, além de conferir um aspecto tribal, ancestral, ao ambiente. Os excelentes efeitos especiais da equipe de Winston foram nominados para um Oscar.

O terceiro ato é de tirar o fôlego. Depois que todos os soldados são mortos pelo Predador, resta apenas o major, que espera à morte certa na beira de um rio até perceber que a lama que cobriu seu corpo fez com que a criatura não pudesse vê-lo. Usando todos os seus conhecimentos militares, Dutch constrói uma série de armadilhas na floresta e os dois guerreiros terminam duelando em um selvagem combate de vida ou morte. Essa sequência inteira é conduzida com maestria por McTiernan em tomadas noturnas bem iluminadas, com raríssimas – e clássicas – frases e efeitos sonoros aos montes, com imagens que se destacam, como o sangue fosforescente do monstro a indicar sua localização e as expressões faciais de dor e tensão de Schwarzenegger.

O Predador foi um grande sucesso de bilheteria e estabeleceu no cânone da ficção científica um outro alienígena sanguinário de sucesso. Um produto de puro entretenimento, repleto de clichês, frases de efeito, dezenas de mortes (mais de 60) e situações mentirosas, mas que não perde de vista a qualidade em nenhum instante. O resultado final é um filme extremamente divertido e objetivamente simples, mas que possui uma direção cuidadosa e talentosa, um time de coadjuvantes afiados e confortáveis, um Schwarzenegger em uma de suas melhores performances no cinema, e um antagonista marcante, que, juntos, fazem com que O Predador consiga ir muito além do lugar-comum dos filmes do tipo e se transforme em uma obra inesquecível.

O Predador (Predator) – EUA, 1987, cor, 107 minutos.
Direção: John McTiernan. Roteiro: Jim Thomas e John Thomas. Música: Alan Silvestri. Cinematografia: Donald McAlpine. Edição: Mark Helfrich e John F. Link. Elenco: Arnold Schwarzenegger, Carl Weathers, Elpidia Carrillo, Bill Duke, Richard Chaves, Jesse Ventura, Sonny Landham, Shane Black, R. G. Armstrong, Kevin Peter Hall e Peter Cullen.

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Sobre o Autor

Católico. Desenvolvedor de eBooks. Um apaixonado por cinema – em especial por western – e literatura. Fã do Surfista Prateado e aficionado pelas obras de Akira Kurosawa, G. K. Chesterton, John Ford, John Wayne e Joseph Ratzinger.