A série de televisão Missão: Impossível foi criada por Bruce Geller e exibida na CBS entre 1966 e 1973. Um remake foi feito em 1988, na ABC, mas durou apenas dois anos. No total, foram nove temporadas, 206 episódios, um tema imortal criado pelo argentino Lalo Schifrin e uma geração de crianças apaixonadas pelas aventuras da agência do governo encarregada das missões mais impossíveis do mundo. Uma delas se tornaria um astro de Hollywood e reinventaria a série nos cinemas em 1996, dando origem a uma franquia que chega ao seu sexto filme e a mais de duas décadas de enorme sucesso sem dar sinais de esgotamento.

Ethan Hunt tornou-se um dos agentes secretos mais famosos do cinema e o papel mais marcante da carreira de Tom Cruise. E Missão: Impossível jamais perdeu a sua identidade. A variação de diretores no comando – quase sempre nomes de peso na indústria – é um dos fatores principais. O começo se deu com o mestre do suspense Brian De Palma. Na sequência, o mestre chinês da ação, John Woo, no auge do seu reconhecimento no Ocidente. Depois, J.J. Abrams, oriundo de produções de enorme sucesso na TV; Brad Bid, premiado diretor das animações da Pixar; e por último Christopher McQuarrie, roteirista de renome – o primeiro a se repetir de um filme para o outro, tanto na direção quanto no roteiro.

Todos eles trouxeram suas próprias visões para a franquia, criando obras que funcionam como capítulos únicos e inter-relacionáveis, mas cujos elementos fulcrais permanecem: a espionagem, a ação cada vez mais absurda, constante e inventiva (e ao mesmo tempo realista, no sentido de dispensar as facilidades do CGI), os jogos de máscaras, as traições, as reviravoltas e um ator que dispensa dublês em todas as cenas. E Missão: Impossível – Efeito Fallout é o capítulo mais sequencial de todos, uma continuação direta dos eventos de Missão: Impossível – Nação Secreta.

O roteiro de McQuarrie traz de volta o Sindicato, que apesar da prisão de Solomon Lane (Sean Harris) segue espalhando sua nefasta influência ao redor do mundo através de mercenários intitulados “Apóstolos”. Uma valiosa carga contendo três núcleos de plutônio acaba escapando das mãos da IMF quando Ethan Hunt (Tom Cruise) opta por salvar a vida do seu amigo Luther (Ving Rhames). Uma guerra de interesses entre as agências faz com que Erica Sloane (Angela Bassett), diretora da CIA, passe por cima de Alan Hunley (Alec Baldwin), novo secretário da IMF, e designe o agente Walker (Henry Cavill) para acompanhar e monitorar Ethan, Luther e Benji (Simon Pegg) na busca pelos núcleos.

Ao mesmo tempo em que precisam correr para impedir a ameaça nuclear, os três agentes devem lidar com a Viúva Branca (Vanessa Kirby), uma comerciante de armas do mercado negro – filha da personagem de Vanessa Redgrave no primeiro Missão: Impossível –, caçar o próprio Solomon Lane, que consegue escapar, e descobrir quem é “John Lark”, pseudônimo de um infiltrado pelo inimigo que opera clandestinamente em uma das agências. No meio de toda essa confusão há ainda a movimentação aparentemente incompreensível de Ilsa Fusrt (Rebecca Ferguson), que tem seus próprios interesses pessoais na história.

A humanização de Ethan Hunt é algo que faz parte dos roteiros da franquia desde o terceiro filme. Exímio contador de histórias, McQuarrie indica desde o começo – com um idílico sonho que se converte em pesadelo – qual será o mote desse novo capítulo. Ethan não está disposto a perder amigos e pessoas importantes na sua vida. Todas as missões recebidas por ele sempre terminam com uma mensagem: “essa é a sua missão, caso queira aceitar”. Ethan nunca recusou nenhuma. Mas tanto quanto luta para salvar o mundo em missões impossíveis, também luta para que as pessoas de quem mais gosta permaneçam vivas no processo.

O “Fallout” do título, o “efeito colateral”, tem tudo a ver com essa história. Ethan não é um irresponsável, mas precisa atuar cirurgicamente e contar também com a sorte para salvar uma única vida próxima a si, ao mesmo tempo em que salva milhões de anônimos. Tudo conspira para ter efeitos colaterais, e seu inimigo sabe quais são as suas vulnerabilidades. A ex-mulher Julia (Michelle Monaghan) é a maior de todas, e por isso mesmo o vilão leva a ameaça nuclear justamente para a Caximira, onde a médica trabalha em missão com o atual namorado. Mas Julia sabe que com Ethan por aí, ela sempre estará segura. E não só ela, mas também o mundo. McQuarrie e Cruise constroem um Ethan Hunt extremamente heroico, mas profundamente humano.

A ação é uma força motriz a serviço do filme. McQuarrie, o diretor de fotografia Rob Hardy, o compositor Lorne Balfe e o editor Eddie Hamilton fazem um trabalho em equipe extremamente afinado. Eles estabelecem um ritmo intenso e acelerado. Cena a cena, o longa-metragem flui com suavidade em uma espiral de sequências de tirar o fôlego (difícil apontar qual é a melhor). Missão: Impossível – Efeito Fallout é enxuto, apesar de longo; não há gorduras. O enredo é intrincado, repleto das reviravoltas clássicas da franquia, mas não há problema se algo escapar à atenção: continua interessante do mesmo jeito. A ação é o que conduz o enredo, e não ao contrário – do mesmo modo que acontece em clássicos do gênero como O Fugitivo (1993) e Mad Max: Estrada da Fúria (2015).

A composição das sequências é perfeita. Nunca perdemos a noção de espaço e posicionamento e constantemente somos lançados para dentro da ação. A luta no banheiro masculino, envolvendo Cruise, Cavill e o artista marcial chinês Lian Yang, é brutal – não sobra um azulejo e o combate só termina com a aparição surpresa de Ilsa eliminando o inimigo com uma arma de fogo. As perseguições pelas ruas de Paris são muito bem coreografadas, com motos e carros passando por percursos intrincados e estreitos da cidade francesa enquanto a câmera nos transporta para todos os pedaços da movimentação.

A sequência final é um estrondo. Enquanto Luther e Julia tentam desarmar uma ogiva, Benji e Ilsa lutam contra Solomon Lane para desarmar a outra e Ethan precisa perseguir o traidor para recuperar o controle de detonação. O que vem a seguir é uma insana perseguição de helicópteros, que começa com a invasão de um deles por Ethan em pleno voo – Tom Cruise em carne, osso e loucura dependurado em uma corda, saltando da base de um helicóptero para o outro. As câmeras nas laterais imergem o espectador na sensacional batalha aérea que se desenrola pelos desfiladeiros nevados da Caxemira, na Índia, até a queda das aeronaves e o combate final no paredão de um abismo. Por mais impossível que toda a sequência seja, ela prima justamente pelo realismo em sua composição.

Esse realismo atinge o seu cume na acrobacia absolutamente insana que acontece logo no primeiro ato, quando Ethan e Walker precisam se infiltrar em um país sem serem detectados. Para isso, realizam o salto em queda livre conhecido como HALO (altitude elevada e abertura baixa, na sigla em inglês), uma manobra extremamente arriscada realizada apenas por profissionais militares altamente treinados. O salto é feito a quase 8.000 metros de altitude e o paraquedas só é aberto a menos de 600 metros do solo. Por causa da legislação restritiva em relação a quem pode efetuá-lo, a produção teve de rodar a cena nos Emirados Árabes Unidos, único país do mundo em que um civil foi autorizado a isso.

E a cena não é um simples salto. Há toda uma coreografia intrincada, e durante o salto Ethan ainda precisa salvar Walker, que sofre os efeitos da manobra ao não manusear direito sua máscara e perde a consciência. Aos 55 anos de idade, Tom Cruise repetiu o salto inúmeras vezes até ficar satisfeito com o resultado final da cena, que só podia ser rodada ao pôr do sol, para capturar a luz perfeita. É preciso destacar também o trabalho absurdo dos câmeras que saltaram (um deles de costas) com o ator, sendo que todos eles (ator e câmeras) tiveram de ensaiar exaustivamente os posicionamentos (muitas vezes próximos, e por isso mesmo, perigosos) que deveriam assumir em várias partes.

Tal sequência é o emblema perfeito daquilo que é a franquia Missão: Impossível. O perfeccionismo de Tom Cruise pode, por vezes (talvez todas?), parecer beirar a completa loucura, mas é o que leva a franquia a estabelecer padrões cada vez mais altos que sempre conseguem ser superados. A cada novo filme, o astro, o diretor da vez, e toda a equipe de produção buscam maneiras estupendamente bem estruturadas de criar sequências de ação megalomaníacas que pareçam impossíveis quando se pensa nelas, mas que ainda assim possam ser filmadas com extrema realidade, com o mínimo de tela verde e truques digitais, e o máximo de raça e efeitos práticos, com os atores, dublês e câmeras no meio da insanidade. O resultado são cenas de ação sem paralelo na história do cinema, e uma franquia que possui facilmente alguns dos melhores filmes do gênero de todos os tempos.  E que venham muitas outras “missões impossíveis” enquanto Cruise tiver fôlego e idade para isso.

Missão: Impossível – Efeito Fallout (Mission: Impossible – Fallout) – EUA, 2018, cor, 147 minutos.
Direção: Christopher McQuarrie. Roteiro: Christopher McQuarrie. Música: Lorne Balfe. Cinematografia: Rob Hardy. Edição: Kevin Greutert. Elenco: Tom Cruise, Henry Cavill, Ving Rhames, Simon Pegg, Rebecca Ferguson, Sean Harris, Angela Bassett, Michelle Monaghan e Alec Baldwin.

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Sobre o Autor

Católico. Desenvolvedor de eBooks. Um apaixonado por cinema – em especial por western – e literatura. Fã do Surfista Prateado e aficionado pelas obras de Akira Kurosawa, G. K. Chesterton, John Ford, John Wayne e Joseph Ratzinger.