Christopher McQuarrie começou a carreira como roteirista. O seu segundo trabalho foi o espetacular Os Suspeitos (1996), dirigido por Bryan Singer, que lhe rendeu um Oscar de Melhor Roteiro Original – e a verdadeira identidade de Keyser Söze no rol dos maiores plot-twists da história do cinema. MacQuarrie estrearia na direção apenas em 2000, comandando somente mais um outro filme em um período de doze anos, até ser pinçado por Tom Cruise para Missão: Impossível. E daria tão certo que ele seria o primeiro a dirigir dois filmes em uma franquia que se notabilizou pela esperada e proposital troca de cineastas entre as produções.

O novo diretor de operações de campo da IMF, William Brandt (Jeremy Renner) e o diretor da CIA, Alan Hunley (Alec Baldwin), testemunham em um comitê do Senado americano. A controvérsia em torno dos métodos destrutivos da força-tarefa e as tentativas frustradas de provar a existência de uma conspiração criminosa secreta (o Sindicato) fazem com que a IMF seja desmantelada e absorvida pela CIA. Ethan Hunt (Tom Cruise) torna-se um renegado, perseguido pelo governo americano ao redor do mundo, sendo orientado por Brandt a permanecer fora do alcance das agências de inteligência.

Seis meses depois, agindo nas sombras, sem recurso ou supervisão, Ethan segue no encalço da sua única pista, Solomom Lane (Sean Harris, ótimo como um vilão tão inteligente quanto cruel), e precisará do auxílio de velhos e novos amigos para desbaratar o Sindicato. Essa organização secreta recruta agentes de várias agências do mundo inteiro. Dados como mortos, eles passam a operar clandestinamente, praticando atentados, iniciando guerras civis, quebrando empresas, cometendo assassinatos políticos e alterando o statu quo de governos, mas fazendo com que nenhuma dessas ações sejam percebidas como elos de uma corrente muito maior, com a intenção de destruir o sistema político vigente e criar uma nova ordem mundial.

O elenco inteiro esbanja carisma e entrosamento, com a melhor equipe da IMF já formada na franquia – ainda que agindo sem a chancela do governo e em separado durante boa parte do tempo. Os excelentes Jeremy Renner e Ving Rhames são relativamente limitados em relação aos outros pelo pouco tempo em tela, mas brilham quando aparecem, especialmente no humor, como na sequência em que os dois, em um carro extremamente lento, encontram Ethan no cruzamento de uma rua no Marrocos, em meio à uma insana perseguição.

Retornando como Benji, Simon Pegg é quem mais tem espaço, auxiliando Ethan durante toda a narrativa com suas habilidades computacionais e arrancando muitos risos ao encarar o amigo como alguém capaz de fazer qualquer coisa, até mesmo prender a respiração por mais tempo do que um ser humano seria capaz de aguentar – depois de todas as façanhas que ele presenciou, boquiaberto, em Missão: Impossível – Protocolo Fantasma, não poderia ser diferente.

A sueca Rebecca Ferguson é o diamante lapidado que brilha imensamente em Missão: Impossível – Nação Secreta. Sua estampa, seu rosto, sua postura, e muitos outros aspectos, especialmente aqueles que são um tanto quanto intangíveis, apontam para uma estrela de cinema completamente formada. Sua Ilsa Faust é uma agente do MI6 atuando disfarçada no Sindicato, que ora age em interesse próprio, ora age auxiliando Ethan. Um amálgama perfeito de femme fatale e heroína de ação que consegue, em muitos momentos, o feito de equiparar-se a Tom Cruise.

E olha que estamos falando do filme da franquia no qual o astro talvez tenha entregue a sua melhor performance, esbanjando carisma e uma fisicalidade absurda, ainda mais intensa do que o habitual, além de se aventurar, com sucesso, no humor – a sua expressão quando percebe que irá enfrentar um oponente muito mais alto é impagável, além do modo trapalhão com o qual salta pelo capô de um carro depois de ter sido trazido de volta de um afogamento.

A trilha sonora é assinada por Joe Kramer, que optou por não usar nas gravações nenhum instrumento criado após 1966 como forma de homenagear a série original. O resultado é brilhante, provavelmente o melhor da franquia, com uma ambientação musical sinfônica e orquestral que se destaca, especialmente no tema principal de Lalo Schifrin, que foi “recriado” ao ser mesclado aos acordes de outra melodia da série.

Missão: Impossível – Nação Secreta já começa mostrando que os níveis de insanidade e adrenalina de Tom Cruise – além da escala da ação em que se envolve – seriam revistos (sim, ainda era possível!), com a IMF em uma missão que termina com o ator pendurado na porta de um avião que está alçando voo! Escalar uma montanha não era o suficiente; se dependurar na lateral do prédio mais alto do mundo também não. Uma sequência desse nível poderia facilmente ser o clímax da obra, mas McQuarrie e sua equipe ainda criaram muitos outros grandes momentos para o restante do longa-metragem.

Viajando pelo mundo a ação nunca para, com muitas perseguições e tiroteios que reforçam o aspecto cosmopolita da franquia, que passeia por Havana, Paris, Viena, Casablanca e Londres. A perseguição de moto entre Cruise e Ferguson é coreografada com brilhantismo, tanto pelas vielas estreitas quanto pelas estradas marroquinas; na Ópera de Viena há uma eletrizante luta corporal que acontece no backstage, intercalada com o espetáculo, que transcorre normalmente; o desafio subaquático na usina termelétrica marroquina é de tirar o fôlego – sem trocadilhos intencionais –, além de ser praticamente uma reimaginação da icônica cena do cofre do primeiro Missão: Impossível.

E tal referência estilística à obra seminal de Brian De Palma não para aí e pode ser sentida em outras ocasiões; também Alfred Hitchcock volta a ser uma influência visível, porquanto que McQuarrie constrói um Missão: Impossível inteiramente erguido na espionagem, ainda que envernizado pela ação imparável que caracteriza a franquia desde o seu terceiro capítulo. Com isso, as clássicas máscaras recebem uma de suas melhores utilizações na história da franquia, com um brilhante jogo de revelações envolvendo o primeiro-ministro britânico. O clímax com Solomon Lane pelas ruas de Londres ainda remete visualmente às cenas em Praga do primeiro filme, com todo um aspecto de histórias detetivescas de Arthur Conan Doyle a ser impresso em cada quadro.

Impressiona o fôlego inesgotável que Missão: Impossível parece ter. Os anos passam e um Tom Cruise cada vez mais envelhecido não parece apresentar sinais de desaceleração física – ao contrário, parece ainda mais capaz e disposto a realizar peripécias do que quando começou a franquia em 1996. E por mais que clichês sejam sempre revisitados – Ethan como um renegado, agindo por conta própria, a IMF sendo desmantelada, as reviravoltas, as traições, as máscaras… –, isso nunca é feito de modo previsível, até porque as sequências de ação sempre são moldadas com criatividade e invencionices. Sem sofrer de esgotamento criativo e produzindo sempre com coesão em cima das mesmas bases, a franquia consegue entregar a cada filme um novo grande exemplar do cinema de ação moderno. E Missão: Impossível – Nação Secreta é um deles.

Missão: Impossível – Nação Secreta (Mission: Impossible – Rogue Nation) – EUA, 2015, cor, 131 minutos.
Direção: Christopher McQuarrie. Roteiro: Christopher McQuarrie. Música: Joe Kraemer. Cinematografia: Robert Elswit. Edição: Eddie Hamilton. Elenco: Tom Cruise, Rebecca Ferguson, Simon Pegg, Jeremy Renner, Ving Rhames, Sean Harris, Alec Baldwin, Simon McBurney e Zhang Jingchu.

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Sobre o Autor

Católico. Desenvolvedor de eBooks. Um apaixonado por cinema – em especial por western – e literatura. Fã do Surfista Prateado e aficionado pelas obras de Akira Kurosawa, G. K. Chesterton, John Ford, John Wayne e Joseph Ratzinger.