“Existem várias maneiras de se viver um pesadelo. O de Henry Pym começou com um grito de triunfo!”

Os anos 1950 são considerados a Era de Ouro do cinema de ficção científica. O mundo da época era um ambiente pós-guerra, que vivia uma aceleração tecnológica não vista em décadas anteriores, mas sobre o qual pairava a ameaça das bombas atômicas. Artistas e diretores deram asas a imaginações, no mais das vezes, férteis e pessimistas, que refletiam o medo do desconhecido que era a tônica no contexto da Guerra Fria: projeções futuristas, invasões alienígenas, viagens interestelares, monstros pré-históricos, animais gigantes, desastres provocados pela ação humana… e a extraordinária (e ao mesmo tempo terrificante) ideia de o homem ser capaz de diminuir de tamanho – por vontade própria ou não.

Os quadrinhos não escaparam a essa influência cinematográfica do período, especialmente a revista Tales to Astonish. A publicação era uma série de antologia de histórias de ficção científica que teve início em janeiro de 1959 – quando a editora de Martin Goodman ainda se chamava Atlas Comics, – e durou até 1968. Com suas histórias em formato one-shot (capítulos curtos e únicos que não fazem parte de uma série), ela servia de vitrine para o trabalho e os projetos de lendas das comics como Stan Lee, Jack Kirby, Steve Ditko, Larry Lieber, Dick Ayers, Don Heck e Paul Reinman, que experimentavam ideias e conceitos em suas páginas.

Foi em Tales to Astonish #13, por exemplo, que Groot foi criado, ainda como um vilão, décadas antes de ser reformulado como membro dos Guardiões da Galáxia e popularizado nos cinemas. Uma curiosidade interessante é que a árvore humanoide foi o primeiro personagem criado pela parceria Lee e Kirby.

Na edição 27 de Tales to Astonish, a lendária dupla (acrescida de Lieber, que desenvolveu o roteiro a partir da sinopse do seu irmão Lee) criou uma história de sete páginas que apresentava um dos personagens mais interessantes e subestimados do que viria a ser, especialmente a partir do ano seguinte, o universo Marvel: o doutor Henry Pym. Só que naquele momento ele ainda não era o super-herói que seria conhecido como Homem-Formiga, mas sim um cientista arrogante que quase encontra a própria ruína por causa da sua extraordinária invenção.

O homem no formigueiro!

Depois de ser ridicularizado pelos seus pares em uma convenção científica meses antes, o doutor Henry Pym trabalhou com afinco em sua nova invenção: uma fórmula capaz de alterar o tamanho das coisas. Qualquer objeto poderia ser reduzido de tamanho e transportado por uma fração do custo atual, exércitos inteiros ocupariam um único avião, o destino da humanidade seria alterado para sempre e o doutor fatalmente seria reconhecido como um grande cientista – talvez o maior de todos.

Após testar com sucesso o soro em objetos inanimados, Pym resolve aplicá-lo em si próprio, sem levar em conta o fato de não ter o antídoto em mãos. Essa imprudência lança o personagem em um pesadelo: sem poder reverter à forma normal e encolhendo cada vez mais, ele é tomado pelo medo, correndo inadvertidamente da aparente segurança do laboratório para o universo de perigos do jardim, onde acaba sendo avistado por formigas, agora gigantescos e ameaçadores adversários, que tentam atacá-lo.

Em desesperada fuga, acaba adentrando pelos túneis de um formigueiro e despencando na melada dos insetos, não conseguindo desvencilhar-se da substância até ser salvo por uma formiga que não deseja machucá-lo. Só que as demais retornam com celeridade. Usar uma pedrinha para acender um fósforo perdido no formigueiro é a sua última esperança de afastar o mortífero ataque. Com o auxílio da formiga que o salvou, Pym consegue subir pela janela e banhar-se no antídoto, revertendo ao seu tamanho normal. Por fim, decide destruir a invenção diante do perigo que ela representava, mas para sempre se lembrará da formiga que lhe salvou a vida.

E a história termina assim. Simples e curta, desconexa em relação a qualquer outra e com um encerramento que não exige uma continuação, como todas as histórias de Tales to Astonish. E desse modo permaneceria por alguns meses, até começarem a sair os resultados das vendas das novas revistas de super-heróis da editora, que mostrariam aos seus donos o quão entusiasmados os leitores haviam respondido às novidades.

Lee e Kirby se voltariam então para Tales to Astonish #27 e resgatariam o doutor Henry Pym, transformando-o no Homem-Formiga, com o uniforme vermelho e o capacete capaz de estabelecer comunicação com os insetos, fazendo da revista de antologias a casa do personagem. Quase dois anos depois, o diminuto herói ganharia uma companhia super-heroica (a Vespa) e ao lado dela seria um dos membros-fundadores dos Vingadores; depois aumentaria de tamanho e ao longo das décadas seguintes passaria por vários alter-egos diferentes.

O personagem, que surge como um elo entre as histórias de temas variados e auto-contidas publicadas até então e o universo coeso e povoado por centenas de super-heróis no qual se transformaria o universo Marvel, permaneceria por muito tempo relegado a um papel coadjuvante, sem jamais ter tido apelo suficiente para estrelar uma edição solo.

Mais de cinco décadas se passaram e hoje o personagem fecha um ciclo, indo para o seu segundo filme solo e mostrando que a paixão de Lee pelo conceito de um ser humano capaz de alterar o seu tamanho, que tantas vezes havia sido mostrado no cinema, tinha razão de ser. E na tela grande o Homem-Formiga (o ridículo, subestimado e interessante Homem-Formiga) pode enfim desfrutar de um alcance entre o público que jamais obteve nos quadrinhos.

O homem no formigueiro! (primeira de cinco histórias publicadas em Tales to Astonish #27 – EUA – janeiro de 1962, Magazine Management Company)
Roteiro: Stan Lee e Larry Lieber. Arte: Jack Kirby. Arte-Final: Dick Ayers. Cores: Stan Goldberg.

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Sobre o Autor

Católico. Desenvolvedor de eBooks. Um apaixonado por cinema – em especial por western – e literatura. Fã do Surfista Prateado e aficionado pelas obras de Akira Kurosawa, G. K. Chesterton, John Ford, John Wayne e Joseph Ratzinger.