Alan Moore é considerado por muitos (inclusive por mim) como um dos gênios da nona arte. Seu trabalho no mundo dos quadrinhos começou como cartunista de uma história de detetive chamada Roscoe Moscou, da qual ele escreveu e desenhou, porém, por perceber que não tinha muito talento para desenhos, Moore tomou a decisão de abandonar o posto, mas continuou a escrever histórias. Tempos após isso, depois de ter feito outros trabalhos, Moore trabalhou para revista britânica Warrior. Nela ele começou a escrever duas importantes séries em quadrinhos, que marcariam sua carreira: V de Vingança e Marvelman, também conhecido nos Estados Unidos como Miracleman. Ambas as séries conferiram a Moore o título de melhor escritor de quadrinhos em 1982 e 1983 pela British Eagle Awards.

David Lloyd é outro grande artista do mundo dos quadrinhos, marcado por sua arte incrivelmente sensacional. Lloyd começou como profissional em meados dos anos 70 desenhando Halls of HorrorTV Comic e outros títulos para a Marvel Comics britânica. Com o escritor Steve ParkhouseLloyd ajudou a criar o herói Night Raven. Quando a revista Warrior foi criada em 1982, o editor Dez Skinn pediu a Lloyd que criasse mais um personagem no estilo do citado Raven. Ele e Alan Moore criaram, então, V.

V de Vingança, a série de romances gráficos que nasceu da parceria dos dois grandes artistas citados, foi publicada originalmente entre 1982 e 1983, em preto e branco, pela editora Warrior, porém o título não chegou a ser finalizado. Então, em 1988, incentivados pela DC Comics, Alan Moore e David Lloyd retomaram à série e a concluíram, com uma edição colorida. A série completa foi republicada nos Estados Unidos pela Vertigo (o selo adulto da DC Comics).

“É inacreditável! Todos estes quadros e livros. Eu nem imaginava que existissem coisas assim.” – Evey.

“Isso é de se esperar. Eles erradicaram a cultura. Jogaram fora como um maço de rosas mortas todos os livros, os filmes e a música.” – V.

A obra nada mais é do que uma história sobre a luta pela dignidade e liberdade numa Inglaterra dominada pelo fascismo. Em 5 de novembro de 1906, Guy Fawkes tentou, sem sucesso, destruir as casas do Parlamento Britânico. Hoje em dia, no aniversário dessa data, as crianças inglesas saem às ruas, acendem fogueira, soltam fogos de artifício e queimam bonecos do terrorista. O enigmático V, protagonista da história, veste-se como Guy Fawkes.

“Lembrai, lembrai… O cinco de novembro. A traição, a pólvora e o ardil. Por isso não vejo por que esquecer uma traição de pólvora tão vil.”

A obra é um drama político denso, ilustrado em tons de histórias noir, repleta de personagens e tramas paralelas que rodeiam o personagem principal, V, o destemido “terrorista” mascarado, que desafia o governo fascista de uma Inglaterra futurista. Após salvar a adolescente Evey Hammond, V adiciona a garota em sua luta, sua causa, manipulando-a e criando com ela uma estranha relação. A Galeria Sombria, lar de V, é um lugar peculiar perante outras residências do país. Lá existem livros, e a liberdade sobre o que dizer, pensar e fazer é inexorável. A sociedade está há tempos retraída. Está na hora de provar sua força. Está na hora de começar uma revolução.

“O barulho é relativo ao silêncio que o precede. Quanto mais absoluta a quietude, mais devastadoras as palmas. Nossos mestres não ouvem a voz do povo há muito tempo, Evey. E ela é muito mais alta do que eles se recordam.” – V.

V é o homem por trás de alguns assassinatos que estão acontecendo na cidade, além de também ter sido o responsável de destruir as casas do Parlamento. A história nos conta que V era um dos internos do campo de concentração Larkhill, onde sofreu torturas, e foi sentenciado a vários tipos de experimentos. Saindo de lá, após um acidente, V tem o intuito de lutar por sua causa (depois de ter percebido o que sua nação se tornou), e procurar vingança perante todos aqueles que foram responsáveis por sua “transformação”. Alguns dos assassinados são: Lewis Prothero, o Bispo Lilliman, e a Dra. Délia; sem falar nas pessoas que acabaram morrendo para ele conseguir certas informações, ou para que o sequestro de Prothero fosse bem sucedido.

“Todo mundo é especial, sem exceção. Todo mundo é herói, amante, tolo ou vilão. Acredite.”

O Sr. Finch fica responsável, por parte da policia local, de investigar e prender o já nomeado “Codinome V”. Com tramas paralelas acontecendo respectivamente, como a saída de Evey da Galeria Sombria após desentendimentos com V, V de Vingança nos apresenta uma riqueza de detalhes, não só nos belíssimos desenhos de David Lloyd, como também no desenvolvimento de personagens que complementam a história. Um grande ponto alto da trama é quando V invade a companhia de TV, responsável por informar ou filtrar certos tipos de informações que chegarão aos espectadores, além de servir como formação de opinião (ou doutrinação) dos mesmos (o que acontece em todo tipo de ditadura fascista).

“Você encorajou esses incompetentes que transformaram sua vida num inferno. Aceitou suas ordens insensatas sem questionar. Você permitiu que enchessem seu espaço de trabalho com máquinas perigosas. Você podia ter detido essa gente.” – V.

Com seu discurso, V acaba influenciando muitas pessoas, e a polícia agora está mais empanhada do que nunca em achar o terrorista, temendo que ele possa realmente trazer alguma ameça ao governo local. Evey acaba voltando à Galeria, onde, sem saber, é testada por V, para que a mesma possa conhecer um pouco mais sobre ele, seu passado conturbado, e a triste realidade que os cerca. Caminhando para um final incrivelmente sensacional, V de Vingança nos entrega uma das conclusões mais impressionantes já feitas em alguma obra dos quadrinhos, provando o porque de Alan Moore ser considerado como um dos maiores escritores que já passaram por esse estilo literário. Não importa quem está por trás da máscara. Aquele pode ser qualquer um de nós. Pode ser seu pai, o padeiro, sua vizinha… Pode ser você.

“Você tentou me matar? Não há carne ou sangue dentro deste manto para morrerem. Há apenas uma ideia. E ideias são à prova de balas.” – V.

“Não existe coincidência, apenas a ilusão de uma coincidência.”

A obra possui inúmeras referências à letra V. O nome de Evey não foi escolhido ao acaso, ele é composto por letras que fazem referência ao 5 (V). E é a quinta letra do alfabeto, é cinco na numeração romana e é a 25ª letra do alfabeto (5×5). Quando um relógio marca 11:05 ele forma um V idêntico ao da graphic novel, a hora também coincide com a famosa data citada por V, 11 sendo o mês e 5 o dia, 5 de Novembro.

“Vi veri veniversum vivus vici” (ou “Pelo poder da verdade, eu, enquanto vivo, conquistei o universo”). – Johann Goethe.

Mas não é somente no texto que o V está escondido, as referências à letra podem ser vistas durante a explosão de fogos, na forma como o anti-herói atira suas adagas, e também no nome de cada um dos capítulos da história, do qual cada uma das palavras escolhidas começa com a letra V. Existem muitas outras referências, entretanto.

“Você pede conhecimento, Evey. É isso que vou passar pra você. Conhecimento, como o ar, é vital para a vida. Como o ar, não pode faltar.” – V.

V de Vingança não é considerado um clássico por acaso. Acredito que em apenas uma leitura você não consiga extrair tudo que a obra tem a oferecer. Uma grande história, feita por dois grandes artistas. O quadrinho ganhou uma adaptação cinematográfica em 2006, com roteiro escrito pelos(as) irmãos(as) Wachowski (responsáveis por um dos clássicos modernos da ficção científica, Matrix). Outras grandes obras de Alan Moore são: Watchmen e Do Inferno (que trarei uma resenha em breve para vocês).

V de Vingança #01 a #10 (V for Vendetta #01 a #10 – EUA, Reino Unido – 1982 a 1989, Vertigo/DC Comics, Warrior). Roteiro: Alan Moore. Arte: David Lloyd. Arte-finalista: Tony Weare. Cores: David Lloyd, Steve Whitaker e Siobhan Dodds.

Compartilhe

Sobre o Autor

Apaixonado por quadrinhos, cinema e literatura. Estudante de Matemática e autor nas horas vagas. Posso também ser considerado como um antigo explorador espacial, portador do Jipe intergaláctico que fez o Percurso de Kessel em menos de 11 parsecs — chupa, Han Solo!